quarta-feira, 11 de abril de 2012
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Mágica
...era doce o som daquele riso despreocupado, ainda mais saindo de um homem daquela idade, com seus já cinqüenta e poucos anos.
- o que você acha tão engraçado moço? Perguntou a criança que estava sentada a seu lado na calçada.
- me diz uma coisa moleque, você sabe contar até quanto?
A criança mal vestida, com o rosto e mãos cobertas por grossas camadas de sujeira, não hesitou em abrir as duas mãos fitando-as – um pouco mais que isso aqui! – disse mostrando seus dedos magros ao velho.
O velho tentou conter a gargalhada, mas não teve sucesso, de longe podiam ser ouvidos seus risos, que deixaram o menino a seu lado um pouco perplexo e pensando “O que ele acha tão engraçado nas coisas?”
Ao se recompor o velho pegou uma moeda e mostrou ao menino um velho truque de mágica, fazendo aquela velha peça de metal correr de forma suave por seus dedos e se tornar um medalhão.
-Nossa! Como você faz isso moço? Me ensina por favor!
Aquele velho homem, outrora um mágico, pegou a moeda novamente e mostrou ao menino como ele fazia, os olhos do garoto brilhavam de admiração. Como era possível fazer aquilo sem que as pessoas percebessem o truque? Sua mente mergulhava em pensamentos confusos, parecia algo tão simples e ao mesmo tempo tão mágico.
-Entendeu como funciona meu amigo? Perguntou o velho com seu costumeiro olhar admirado.
-Acho que sim, mas parece difícil.
-basta ter um pouco de pratica. Tente fazer desta vez. Você vai ver que não é tão difícil assim. Dizia o velho enquanto colocava as moedas na mão daquele garoto curioso.
Após algumas tentativas o garoto viu que realmente não era tão difícil quanto parecia, mas sua admiração havia desaparecido. De fato ele agora demonstrava certa decepção, no que disse:
-ah!! Era mais legal quando eu não sabia fazer. Agora nem parece mais tão mágico assim moço.
Como já esperado o velho soltou outra gargalhada despreocupada, as pessoas que o observavam ficavam admiradas com aquela cena, pareciam apenas 2 crianças se divertindo. Sem se preocupar com os olhares a sua volta o velho respondeu ao menino:
-Mas a mágica não esta nas mãos de quem a cria, e sim nos olhos de quem a vê!
Sem compreender o que ele disse, e com uma visão bem simples da situação, o menino indagou:
-Mas como assim? Não é você o mágico? A mágica esta nas mãos do mágico, né?
-Nem sempre moleque. Um dia você vai entender.
Após cerca de duas horas sentado naquela calçada, com um menino de rua como companhia, o qual ele conhecera naquele mesmo dia, vendendo bala em um semáforo próximo dali, o velho pergunta ao menino:
-Hey moleque, esta gostando de aprender esse truque?
-Sim, mas agora a mágica não é tão divertida quanto era antes. Me diz moço, por que você esta aqui me ensinado isto? Você não deveria esta fazendo mágica pra ganhar dinheiro? Não é isso que os mágicos fazem? Será que eu posso ganhar dinheiro fazendo isso?
Novamente aquela gargalhada que já se tornou a marca registrada do velho.
-Calma ai moleque, uma pergunta de cada vez. Você pode ganhar dinheiro com isso sim, por isto te ensinei o truque. E não! Não é só por dinheiro que um mágico trabalha. Alguns apenas buscam criar a verdadeira magia, este já seria por si só, o truque mais recompensador de todos.
-E qual é essa mágica? Desaparecer de verdade? Perguntou o garoto, voltando a mostrar olhos admirados
-Não, na verdade a mágica verdadeira é você criar esperança onde não há. Respondeu o velho dessa vez com um sorriso satisfeito no rosto.
-E você já conseguiu isso? Como é?
-Sim – disse soltando um riso baixo – na hora certa você compreendera isso meu amigo. Sei que o dia esta sendo divertido, mas tenho que ir agora. Que tal continuarmos nossa lição amanha? Aqui mesmo, a tarde. O que você me diz?
Sem pensar direito o garoto já respondeu que estaria amanha ali, durante a tarde esperando o velho.
-Mas ei moço, por que você esta me ensinando isso? A maioria das pessoas nem olham pra mim por eu morar na rua.
-E elas estão certas em ignorá-lo? Perguntou o velho com um ar sério, mas que não conseguia dissipar a satisfação daquela conversa em seu rosto.
-Não, mas...
-Mas eu não tomo atitudes sem um motivo, isso responde a sua pergunta? Respondeu o velho cortando o comentário do garoto
Agora o menino estava de cabeça baixa, notava-se de longe um ar melancólico sobre tão pobre criatura, e para os que estavam próximos, podia-se notar também uma lagrima em seu rosto. Ele levantou seu rosto lentamente, demonstrando clara vergonha de suas lagrimas, e segurando a camisa do velho falou.
- Ei moço, obrigado. Obrigado por conversar comigo ta.
O velho, agora sentindo total satisfação de sua conquista retrucou:
-Eu que deveria agradecer por você tirar seu tempo pra conversar com esse velho aqui. Um dia você descobrira que você me ajudou mais hoje do que acha que eu te ajudei.
E deixando o garoto ali, parado, ainda tentando absorver aquela tarde, ele partiu com passos lentos e leves, como se nada mais importasse naquela tarde, afinal ganhara um amigo novo, um amigo que poderia salva-lo de seus demônios, e que ele ajudaria a se reerguer na lama, afinal via aquela criança como uma lótus. Uma comparação que de inicio nem ele mesmo havia compreendido, mas sentia que havia algo em comum, talvez ele conseguisse naquela criança fazer brotar a mágica verdadeira, a qual ele sempre admirou.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Uma Tarde Fria
O chão havia sido pincelado em mórbido e frio tom cinza. Aquela fina chuva caindo sobre o rosto aterrorizado do único infeliz que ainda possuía uma alma, tornava aquela uma cena digna de profecias apocalípticas.
Seus olhos fixavam o vazio a seus pés, sentia seu ombro latejar, como se pedisse para que soltasse o escudo por um momento, mas sua mente estava aprisionada por um devaneio paradoxal. O vermelho que chamuscava em sua visão periférica tentava desviar seu olhar e sua mente.
Era perturbador aquela cena, o sangue quente escorria de fontes disformes no chão, marcando a terra como enormes feridas em um animal moribundo, o sol recusara-se a presenciar aquela festa, o solo fora coberto por um vil tapete de corpos dilacerados. No centro daquele macabro salão de festa uma criatura estava ajoelhada, no centro do baile, rodeado por inúmeros visitantes que ansiavam por encontrá-lo.
A batalha havia chegado ao fim, àquela disforme criatura encontrara forças para levantar seu rosto, não havia como saber se de seus olhos escorriam lagrimas ou era apenas a chuva trabalhando mais ainda naquele inferno. Não há nada como presenciar o vitorioso de uma batalha, o orgulho em seu olhar, sentir aquela aura de vitoria emanada de sua alma, mas ali não se presenciava isso. O sobrevivente demonstrava um terror maior que os próprios cadáveres a sua volta. Ele se recusava a olhar os corpos que o faziam companhia naquele banquete de sofrimento. Sabia que conheceria muitos ali, alguns com ele já haviam passado momentos de incalculável prazer, outros ele mesmo havia feito a abertura para que sua alma encontra-se uma saída.
Alivio insignificante naquele tormento, jogara seu escudo no chão, o baque veio como um trovão aos seus ouvidos. Nada alem de penumbra, a luz passava de forma vacilante pelas nuvens escuras, o ar tocava seu rosto como laminas, aquela sensação de vida era seu carrasco. Sua armadura e sua espada jaziam no chão frio e úmido a sua frente. O peso de sua armadura agora atormentava a terra a seus pés, o guerreiro ainda permanecia curvado, trocara sua armadura de metal por uma ainda mais pesada, a culpa.
Uma melodia para aquele momento... Não, nada pode completar aquela cena. Estava em sua perfeição. Um caos perfeito, a junção de um inferno físico com um inferno espiritual.
O sobrevivente não podia ver, mas alguns espíritos ainda o assistiam, esperando sua derrota interior. Eles estavam ansiosos por um encontro direto, viam na face daquele recipiente que ainda continha alma a desistência. Era questão de tempo até que estivessem todos juntos naquele baile.
-Back- O som de seus joelhos encontrando o chão novamente.
- é agora. Ficaremos juntos agora. – acreditavam os espíritos que o observavam
Uma cena clássica, o sobrevivente estava olhando suas mãos, via a chuva fina lavar a história daquela tarde. UM SOBREVIVENTE. Era apenas isso que ele era. Sabia que muitos o chamariam de herói, de uma lenda, mas no fundo de sua alma sabia que havia perdido a batalha, por isso era apenas um sobrevivente.
Naquele momento, sob aquele mar de pesadelos, aquela deplorável criatura juntou as mãos e começou a rezar por todos que haviam sucumbido naquele solo. Uma tentativa de redenção inútil, mas digna de ser gravada na história. Aquela era uma cena ainda mais triste que o próprio campo de batalha, pois todos sabiam que Deus não ouviria as preces clamadas daquele solo amaldiçoado. Até mesmo Deus o abandonara, seu pecado havia sido maior que sua própria tragédia, e o pedido de desculpas não despertaria os corpos que estão a sua volta.