quarta-feira, 4 de abril de 2012

Uma Tarde Fria

O chão havia sido pincelado em mórbido e frio tom cinza. Aquela fina chuva caindo sobre o rosto aterrorizado do único infeliz que ainda possuía uma alma, tornava aquela uma cena digna de profecias apocalípticas.

Seus olhos fixavam o vazio a seus pés, sentia seu ombro latejar, como se pedisse para que soltasse o escudo por um momento, mas sua mente estava aprisionada por um devaneio paradoxal. O vermelho que chamuscava em sua visão periférica tentava desviar seu olhar e sua mente.

Era perturbador aquela cena, o sangue quente escorria de fontes disformes no chão, marcando a terra como enormes feridas em um animal moribundo, o sol recusara-se a presenciar aquela festa, o solo fora coberto por um vil tapete de corpos dilacerados. No centro daquele macabro salão de festa uma criatura estava ajoelhada, no centro do baile, rodeado por inúmeros visitantes que ansiavam por encontrá-lo.

A batalha havia chegado ao fim, àquela disforme criatura encontrara forças para levantar seu rosto, não havia como saber se de seus olhos escorriam lagrimas ou era apenas a chuva trabalhando mais ainda naquele inferno. Não há nada como presenciar o vitorioso de uma batalha, o orgulho em seu olhar, sentir aquela aura de vitoria emanada de sua alma, mas ali não se presenciava isso. O sobrevivente demonstrava um terror maior que os próprios cadáveres a sua volta. Ele se recusava a olhar os corpos que o faziam companhia naquele banquete de sofrimento. Sabia que conheceria muitos ali, alguns com ele já haviam passado momentos de incalculável prazer, outros ele mesmo havia feito a abertura para que sua alma encontra-se uma saída.

Alivio insignificante naquele tormento, jogara seu escudo no chão, o baque veio como um trovão aos seus ouvidos. Nada alem de penumbra, a luz passava de forma vacilante pelas nuvens escuras, o ar tocava seu rosto como laminas, aquela sensação de vida era seu carrasco. Sua armadura e sua espada jaziam no chão frio e úmido a sua frente. O peso de sua armadura agora atormentava a terra a seus pés, o guerreiro ainda permanecia curvado, trocara sua armadura de metal por uma ainda mais pesada, a culpa.

Uma melodia para aquele momento... Não, nada pode completar aquela cena. Estava em sua perfeição. Um caos perfeito, a junção de um inferno físico com um inferno espiritual.

O sobrevivente não podia ver, mas alguns espíritos ainda o assistiam, esperando sua derrota interior. Eles estavam ansiosos por um encontro direto, viam na face daquele recipiente que ainda continha alma a desistência. Era questão de tempo até que estivessem todos juntos naquele baile.

-Back- O som de seus joelhos encontrando o chão novamente.

- é agora. Ficaremos juntos agora. – acreditavam os espíritos que o observavam

Uma cena clássica, o sobrevivente estava olhando suas mãos, via a chuva fina lavar a história daquela tarde. UM SOBREVIVENTE. Era apenas isso que ele era. Sabia que muitos o chamariam de herói, de uma lenda, mas no fundo de sua alma sabia que havia perdido a batalha, por isso era apenas um sobrevivente.

Naquele momento, sob aquele mar de pesadelos, aquela deplorável criatura juntou as mãos e começou a rezar por todos que haviam sucumbido naquele solo. Uma tentativa de redenção inútil, mas digna de ser gravada na história. Aquela era uma cena ainda mais triste que o próprio campo de batalha, pois todos sabiam que Deus não ouviria as preces clamadas daquele solo amaldiçoado. Até mesmo Deus o abandonara, seu pecado havia sido maior que sua própria tragédia, e o pedido de desculpas não despertaria os corpos que estão a sua volta.



Nenhum comentário:

Postar um comentário